Sugiro ler a primeira parte desse artigo, que se chama “Merda Exibida” na publicação anterior a essa.
Quando olho para um aluno, percebo que há um histórico emocional que o envolve. Ninguém age da forma que age, ao acaso. Sempre existem motivos que acabam por explicar as atitudes. E não estou a falar de justificativas, o que é algo completamente diferente.
As coisas se explicam. Mas a forma como lidamos com as situações é sempre uma escolha. Ou seja, nada se justifica, apenas se explica. Por exemplo, um jovem que bate no outro, se pode explicar o que o levou a fazê-lo, mas não se justifica por que foi uma escolha dele fazê-lo. Poderia ter escolhido não o fazer. Poderia ter feito outra escolha.
A importância de contextualizar as pessoas, para mim, é essencial!
Já compreendi que o mundo não gira à volta do meu umbigo, como se diz. Compreendi que cada pessoa tem suas próprias batalhas pessoais e que não fazemos ideia de quais são. Portanto, há sempre um contexto à volta de qualquer pessoa. É estar aberto para perceber isso.
Os professores têm um poder que muitos não dimensionam. Assim como os pais, podemos empurrar uma criança/jovem para o fundo do poço ou vice versa: tirá-lo de lá, em segundos. Então, como professora, construí regras para mim mesma, e procuro segui-las sempre que possível.
E eu digo “sempre que possível” porque sou humana, e os humanos cometem erros, e certamente devo ter cometido erros no decorrer da minha caminhada. A todos esses erros: peço imensas desculpas e para me redimir… procuro diariamente que não se repitam.
Algumas das minhas regras pessoais são:
- Escutar SEMPRE, mesmo que esteja atrasada, mesmo que o discurso seja longo e, é claro, não prejudique a mais ninguém, senão a mim.
- JAMAIS expor o aluno frente aos outros, corrigir isso depois é praticamente impossível. Expor a pessoa, não importa por qual motivo, é uma arma didática feia e, como toda arma, mata. Mata tudo que se pode obter dessa pessoa e fica uma cicatriz que vira história triste mais tarde.
- ELOGIAR muito e sempre, o elogio é vitamina de propulsão e leva-nos sempre para frente e para cima.
- NUNCA economizar em abraços, eles curam o que nem imaginamos.
- OLHAR com carinho, sem preconceitos, sem rótulos. Não importa a descrição que outro professor me fez daquele aluno(a), a minha história é única e intransferível com ele.
Digo tudo isso acima para contextualizar o desfecho da história de João. Aquele aluno que, em minutos, me relatou algumas de suas dores pessoais, e pude ver a explicação por trás das atitudes de irritabilidade na sala. Entendi que o “exibido” só queria atenção daqueles que ama. Atenção daqueles que estão à volta para que percebam o seu sofrimento.
Porque criança e adolescente sofrem com a mesma intensidade que os adultos. Mas não são levados a sério, uma vez que que não tem “problemas de adultos”. É muita prepotência dos adultos pensarem assim. Mas também é assunto para uma próxima abordagem.
Abracei-o e disse-lhe como estava feliz com a presença dele na minha aula. Pedi uma oportunidade para provar que seria divertido. Convidei-o para me ajudar com os jogos, pois haviam alguns colegas muito tímidos e notei nele, claramente, uma disposição diferente. Eu o elogiei! E aqui está o convite para ler o artigo sobre a importância do elogio… (Elogiar é uma arte, receber um elogio também é!)
João voltou para sala e já transparecia outra pessoa.
A sorrir, ficou a conhecer as atividades e, toda a vez que solicitado, ajudava-me em tudo (e o fiz inúmeras vezes, mantendo-o ocupado). O ano letivo aconteceu. João não quis entrar para o grupo de teatro, amava desporto e envolveu-se em todos que podia. Mas estava sempre à minha procura, a dizer-me tudo o que fazia. Participava das aulas ativamente.
Às vezes, sua tristeza imperava e vários abraços foram solicitados nos intervalos. A separação dos pais foi assimilada com ajuda de terapia com um psicólogo, indicação da escola, sugerida por mim. Um profissional especializado em comportamento humano é fundamental para mudanças como esta, quando possível. Tornou-se conhecido por ser o exibido em tudo que fazia. Estava sempre a falar alto e a voluntariar-se para tudo.
No fim daquele ano, João deixou a escola, pois voltaria para a escola antiga. Estava feliz. Lembro-me que foi uma negociação com os pais que, finalmente, o escutaram.
Sabe aquela sensação de pertencimento? Pois é, às vezes temos que escutar nosso coração. Se não está feliz, se aquele espaço/lugar já não te pertence mais, ou nunca pertenceu, e sabes onde estarias mais feliz, ou não: mude! Lute por isso!
Para uma criança ou adolescente é mais difícil, porque são dependentes e sua vida é conduzida por adultos. Mas escute, escute muito. Isso ajuda! Escute e olhe com carinho sua criança/adolescente. Isso vale mais que tudo!
Não tive mais notícias de João desde então. Mas tenho aquele abraço de despedida guardado no coração. Os olhos marejados dizendo-me: obrigado professora, obrigado por me ver! Obrigado por aceitares quem eu sou e pelo que estava a viver e não me julgastes.
Não preciso saber como ele está hoje. O importante é saber que, quando passou por mim, foi bom para nós dois.
Abraços Demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻