Como público, sentado confortavelmente, assistimos a belos espetáculos, bem planeados, atores que entram e saem de cena, mudam de figurinos, cenários que mudam, iluminação impecável e aplausos são garantidos no final. A maioria das pessoas não faz ideia do caos que se passa nos bastidores. E estou a falar da mesma coisa sobre uma aula de teatro que, ao olhar de fora, é uma confusão. E como o caos é necessário! E como é bonito!
O caos não passa de confusão, desordem, desequilíbrio.
Existe nas nossas vidas, em todos os sectores. Está na nossa casa. No nosso quarto… ou apenas dentro daquele armário que usamos a força para fechar. Por mais organizada que a pessoa esteja, o caos reina algures. E dentro de nós, então… Uau! Gosto de pensar que é um tipo de emoção, o tipo de que precisamos de viver às vezes. Tem que se permitir.
Sempre me fascinou admirar o caos nos bastidores, enquanto a magia do espetáculo se passa no palco. É literalmente outro espetáculo que acontece lá atrás! Trajes no chão ou em cima de cadeiras ou mesas. Material cénico espalhado, em pontos estratégicos para entrar nas cenas, ou não. Garrafas de água por todo o lado. Maquilhagem também. Artistas a mudar de figurino, a cruzar-se com outros enquanto tenta entrar em cena, a ler novamente o texto, memorizar a próxima linha e até, muitas vezes, conversar silenciosamente, trocar ideias descontraidamente. Já vi muita crise de pânico, ansiedade. Raramente era necessário interferir. O grupo “resolveu”.
Uma vez, o caos ultrapassou-se: a peça começa e uma estudante-actriz decide sair.
Ana, como vou chamá-la nesta conta, teve crises de ansiedade intensas e por isso decidiu fazer teatro. Os pais já me tinham avisado sobre o comportamento prematuro da rapariga. Durante os ensaios, desapareceu inúmeras vezes.
Depois voltou a arrepender-se e implorou para permanecer na peça. Acolher é o meu navio principal. Cada um de nós vive batalhas pessoais e não podemos fechar portas e desacreditar, especialmente na adolescência, fase de construção e desconstrução. Acredito no poder da mudança e da evolução, mesmo que subtil. Até hoje recebo relatos de antigos alunos sobre a importância do teatro na sua vida adulta. Um crescimento que não testemunhei na adolescência, mas a semente foi plantada e soada mais tarde.
A Ana pegou na mochila e saiu pela porta dos fundos do teatro. Alguns colegas repararam, mas como estavam nas primeiras cenas da peça, não conseguiram impedi-la. Estava no camarim a acabar a maquilhagem de uma personagem quando fui avisado pelos alunos loucos. Pense no CAOS!! Público cheio. A primeira cena a acontecer e a personagem que era suposto entrar na terceira cena: foi-se! Em segundos, havia pessoas a chorar, pessoas zangadas e pessoas congeladas, como se estivessem em choque. Era uma personagem importante a interagir com o protagonista (personagem principal) nas seguintes cenas. Surgiu a ideia de eu entrar no lugar. Mas sabes quando tens a certeza que isso é exatamente o que arruinaria tudo? Não, não resolvemos isto assim.
Reuni todos os que ainda não estavam no local e perguntei quem conhecia as linhas da Ana.
Porque num espetáculo é assim, um decora o discurso do outro sem se aperceber. E algumas pessoas acabam por saber as falas de todos, é incrível. Foi uma peça de cerca de doze personagens. E vários levantaram os braços. Entre estes, questionei quem tinha menos linhas. E todos apontavam para uma rapariga tímida, que tinha um pequeno papel, que tinha começado no grupo há menos de um mês e, como não deixei ninguém de fora, inclui-a no espetáculo. Que ironia! Passei as suas linhas para outra personagem e pedi-lhe para tomar o lugar da Ana. Bia, como vou chamá-la aqui, com um coração de corrida, apenas acenou positivamente. A decisão tinha de ser rápida. Porque o caos só aumentou. E o caos, quando se alimenta, cresce demais e torna-se mais difícil de dominar.
“Respire comigo, Bia.” E a Bia respirou enquanto eu ajudava a vestir a nova fantasia. Levei-a à frente de um espelho e pedi-lhe para olhar. Sublinhei que todo o grupo ajudaria, se aparecesse um “branco” (esquecimento dos discursos). Perguntei-lhe se tinha a certeza de que queria fazer isso, caso contrário cancelava a peça e apresentava-a noutro encontro, simples. Bia, olhou para todos à sua volta e disse: “Não vou desiludir ninguém, quero tentar.”
A coragem de uma rapariga de 13 anos surpreendeu-me e pensei “como é que não me apercebi disso?” e apercebi-me que ela estava comigo há menos de quatro semanas e envolvi-me tanto com o final da peça, que não vi o diamante da coragem mesmo à minha frente.
Tudo isto aconteceu em minutos. E Bia subiu ao palco…
No artigo seguinte, saiba o que aconteceu com Bia.
Abraços demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻
Como a coragem de Bia mudou o rumo de uma história de vida. Ainda não sei o que aconteceu no fim do conto, mas o ímpeto dessa menina, no meio de todo o caos dos bastidores, é, no mínimo, inspirador!!!
Mais um artigo cheio de emoções e arrepios❤️❤️
Ariadne, que alegria ter vc aqui, e também nos alegra que estejas a aproveitar-se de nossos conteúdos! Fica a vontade e sejas bem vinda! O melhor abraço do Bué Fixe pra ti.