Um dia, uma mãe aparece à minha porta com a intenção de trazer o filho à oficina de teatro. Estranhei. Era uma turma de secundário e toda a gente falava por si. Então apercebi-me que se tratava de um caso especial: deficiência intelectual com autismo. Vamos chamá-lo de José nesse relato. Ele já havia frequentado todas as oficinas da escola e acabava por não querer regressar. Uma criança num corpo quase adulto. A mãe disse que me viu num intervalo, a brincar de jogos teatrais, e ele riu se ao observar-me. Pedi para trazê-lo na próxima aula e assim foi.

José entrou calado. Não olhou para ninguém e sentou-se no chão da sala. Aproximei-me, apresentei-me e disse que poderia brincar com o grupo ou apenas olhar.  Ficou até o fim da aula. Agradeci por ter vindo e disse que o esperava para o próximo encontro. Ele foi-se embora em silêncio.

José retornou. E assim foi por mais seis meses. Estávamos na montagem de um espetáculo que tinha um sofá bem no meio do cenário. No último mês, ele já estava sentado no sofá, de braços abertos, a ver tudo que se passava no palco, a aplaudir, visivelmente a divertir-se demais. O caminho foi longo até ele subir no palco. Por vezes, ele ficava no sofá e todo o elenco ia para baixo e o aplaudia-o intensamente. Ele habituou-se e sorria muito. O texto do espetáculo foi adaptado para o personagem dele e algumas falas, sem necessidade de resposta, eram dirigidas para José. 

As mudanças em casa foram grandes, disse a mãe.

Sublinhou que estava menos isolado, interagindo mais com outras pessoas e que sabia exatamente o dia e a hora das aulas de teatro.

Fomos para um festival de teatro, apresentar nossa peça. E José estava lá: sentado no sofá, bem no meio do palco, por quase uma hora de espetáculo, sorrindo e fazendo o seu papel, com seu figurino, e conhecia todo o enredo. Portanto, ele aguardava ansioso cada fala que lhes dirigiam, interagindo claramente com o olhar. Ao final do espetáculo, muitos aplausos. E levantou-se do sofá e agradeceu inclinando-se para frente, junto com o grupo. 

Depois da apresentação, haveria um bate papo com a plateia e a primeira pergunta veio: por que é que aquele ator não diz nada? Não deu pra dar um texto pra ele? Esqueceu-se do texto? A mãe pediu para falar e contou o quanto o teatro o transformou, como se abriu e ficou mais feliz. Em poucas palavras relatou as previsões desde o seu nascimento. Falou de medicamentos e limitações. Aquele relato emocionou-me, e José pega o microfone e diz: Não chores, professora. E abraçou-me. Pensa na emoção do momento. É a certeza do quanto a arte é para todos, que faz sim a diferença e que a representatividade é essencial. Sair da caixinha, como se diz, é ser criativo e adaptar-se para que todos sejam incluídos. O pai da Arteterapia, Carl Gustav Jung, disse: “Conheça todas as teorias, domine todas as técnicas, mas ao tocar uma alma humana, seja apenas outra alma humana. ” 

O viés terapêutico é o caminho da percepção do tempo de cada um, da escuta e da fala, em todos os sentidos e a arte é o acesso mais rápido ao nosso inconsciente, independente das nossas limitações. Perceber que o corpo fala sim, basta querer escutar. E José aplaudiu e foi aplaudido.

O teatro transcende fronteiras que não conhecemos.

O texto também está no olhar, no gesto, no silêncio. O que sei de José hoje? Eu sei que ele vai ao teatro todo o mês e aplaude tudo o que assiste e então pede para subir no palco e agradece como se ele fosse parte da peça. E ele foi, afinal, não existe teatro sem plateia!

 

Abraços demorados

Tanise, a Diva. 

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Tanise A Diva

Tanise A Diva

Uma vida com a arte/teatro no Brasil e hoje vivendo com a família em Portugal. 🇧🇷❤🇵🇹 Insta: @tanise_diva

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