Na seguindo dos relatos de setembro, vamos acompanhar hoje o relato da minha primeira aluna: contei a sua história no artigo “Alicia, a árvore!”, do meu ponto de vista. Agora segue o dela:
“Entrei no teatro quando tinha 9 anos… minha mãe deu-me um empurrãozinho. Ela dizia: “Alice, vai fazer teatro, porque já não aguento os teus dramas em casa!” Só aqueles que se lembram do que é ter 9 anos podem entender que o “drama” é real, que algo em nós está a mudar e nos sentimos estranhos em relação ao mundo. E nesse caso, o conselho da minha mãe ajudou-me demasiado!
Logo na escola abriram aulas de teatro, fui a primeira a inscrever-me, talvez não nessa ordem, mas na ânsia de ser. A professora era o máximo, divertida, engraçada, carinhosa… Fizemos coisas tão legais! Mas devo admitir que após 31 anos, as minhas memórias vivem mais nas sensações que senti naquela época do que em lembranças vivas dos factos.
E o facto é que eu adorava fazer teatro!
Adorava as aulas, os ensaios, as dinâmicas e exercícios teatrais. Eu gostava de estar com o grupo, e lembro-me de o clima estava sempre bom, de amizade, ajuda… até porque, tínhamos uma professora que inspirava isso.
Depois de algum tempo nas aulas de teatro, montamos nossa primeira apresentação: era uma comédia, uma sátira de um julgamento, e claro, eu queria ter o papel principal, ser o réu. Mas eu não fui o réu, nem a juíza, nem a advogada, nem o guarda… Tornei-me jurada de um corpo de jurados.
Meu jovem ego sofreu a primeira desilusão. Mas superei, foi um sucesso: era engraçada e cada um estava perfeito no seu papel. Lembro-me de sentir muito orgulho e pela primeira vez tive o gostinho e a felicidade de estar em algo que divertia as pessoas.
Eu já tinha por volta de 13 anos, então veio uma super peça, agora, infantil: A alma da floresta. Mais uma vez, eu queria o papel principal… e apesar de todas as minhas expectativas… não foi dessa vez. Lembro-me de ter chorado demais, fiquei muito decepcionada e indignada… nem queria voltar para o teatro. Mas como era mais forte que eu, voltei.
No meu regresso, a professora deu-me o que eu considerei ser o pior papel na época: a alma da floresta, que apesar de dar nome à peça, era uma árvore. Eu ficaria uma hora em pé no palco, dentro de uma árvore de espuma quente, com os braços levantados (os galhos), pintaria a cara de castanho e mal daria para ver meus olhos.
Tornei-me a piada na família, diziam que eu seria uma pedra na próxima montagem do grupo. E tantos anos depois, essa piada ainda continua viva. Mas a peça foi um sucesso, apresentamos em muitos lugares, inclusive em festivais e ganhamos premiações. Descobri que a árvore imóvel, também podia soprar falas aos colegas quando se esqueciam e servir de apoio ao grupo.
Por isso, lembro-me como se fosse hoje de uma das primeiras lições que tive sobre o trabalho em equipa, foi quando tive um acesso de riso em cena. Quando a peça acabou, todos estavam chateados com o acontecido, e foi ali que percebi a seriedade que deveria encarar aquele ofício, que não era um trabalho, mas que tinha responsabilidade e devia às pessoas que estavam lá para assistir. Essa lição eu aprendi depressa.
Depois dessa peça vieram outras, e mais festivais, e eu crescendo… Lembro-me das viagens, do frio na barriga de subir ao palco, dos ensaios… Como eu era feliz! Mas a escola estava acabando e logo os exames chegariam para a universidade. Não tive de pensar muito para decidir o que queria fazer: Artes Cênicas, lógico! Mas o que era lógico para uma rapariga de 16 anos, não era para seus pais.
Quando anunciei minha escolha, meu pai disse: Mas teatro é um hobby, tens que ter uma profissão!
Outra memória viva que guardo… e foi assim que escolhi outra profissão: Ciências biológicas. Escolha esta devido exclusivamente ao facto de eu sempre ter notas altas nessa disciplina… para uma rapariga que não tinha outra paixão além do teatro, definir critérios de escolha, era muito difícil.
Entrei na faculdade com 17 anos e o teatro foi deixado para trás. Não conseguia conciliar o “hobby” com a “profissão”. A vida seguiu em frente, mas vejo que o que vivi no teatro desde os 9 aos 17 anos permanece a viver em mim e constitui-me para sempre, e estou muito grata por isso.
Me formei e me mudei de cidade, fui trabalhar numa ONG (Organização não Governamental), e na verdade, o que sempre procurei foram as pessoas. Uma bióloga que, apesar de gostar dos animais, gostava mesmo era de pessoas. Por isso, fiz jus a minha licenciatura e me tornei…”
O fim dessa história segue-se no próximo artigo! 😉
Abraços Demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻