Na sequência dos relatos de setembro em “A bióloga arteira – parte 1” e “Alicia, a árvore”, segue o desfecho da história da minha ex-aluna Alice,
…“por isso, fiz jus à minha licenciatura e tornei-me educadora.
Durante todos esses anos nunca perdi o contacto e o amor pelo teatro e nem por minha professora e amiga. E sempre me perguntei se não tinha escolhido a profissão errada, se não seria mais feliz no teatro. A verdade é que depois de tantos anos, foi a partir de uma conversa com a minha amiga e sempre professora Tanise que pude perceber muitas questões em mim.
Olhei para mim, quem eu era e no que me tornei, olhei aquelas coisas que identificava como dons, ou mesmo certa inteligência social e percebi que isso não era dádiva, tinha sido construído nos meus 8 anos de teatro.
Meu sentimento de pertencer a equipas. Só gosto de trabalhar em equipas! Percebo nos meus colegas as qualidades e a importância de cada um para todo e qualquer trabalho que fazemos. Hoje posso perceber claramente uma facilidade que tenho na relação com as pessoas e que desenvolvi no teatro: uma percepção do todo.
No teatro, estamos em constante relacionamento com o outro, mesmo quando fazemos um monólogo… o público é o outro.
A minha fala, interfere na fala ou na reação do outro e este exercício desenvolve algo que não sei hoje nominar, mas que percebo claramente em mim. É algo como ser capaz de perceber o que a minha fala provocou no outro e se ela foi compreendida na minha intenção, e se não, ser capaz de perceber rapidamente para refazer a fala ou a ação. Essa capacidade ajuda-me na expressão, mas também na mediação de situações para que não acabem em conflito. Estar, ao mesmo tempo, atento a si e ao outro na relação, é algo que aprendi no teatro.
Na minha profissão, fui educadora em comunidades carentes, pesqueiras, escolas, faculdades de capitais e de interior, do sul e do nordeste do Brasil. Conheci muitas culturas, muitas realidades e pessoas diferentes e sempre consegui abrir-me para ser permeada pelo novo que me encontrava, assim como na arte, no novo personagem. Você permite que o outro/mundo/cultura permeie e vivencia o que ele te traz de novo.
Depois de tantas andanças, de dois filhos, vim parar em Florianópolis (capital do distrito de Santa Catarina – Brasil) e tornei-me uma professora de Classe Waldorf, com crianças dos 6 aos 7 anos. Foi então que, aos 40 anos, a minha alma percebeu que tudo que vivi foi para chegar aqui onde estou hoje, com essas crianças. É como se estivesse a olhar para um filme da minha vida e a compreender as experiências que me fizeram como sou hoje e isso deu-me as qualidades necessárias para realizar a minha missão. E o teatro é parte fundante de quem sou e do que me tornei.
Na minha profissão, canto, danço e declamo diariamente com as crianças, durante toda a manhã. Faço peças, conto uma nova história por dia, as quais decoro no dia anterior, não há repetição. Nunca dou uma aula igual a outra, pois peguei minha turma no primeiro ano e só vou deixá-la no oitavo ano.
A arte permeia minha prática pedagógica como o ar.
E quando a Tanise me perguntou: Qual a importância do teatro na minha vida? Sei que o teatro desenvolveu-me como ser humano, como arte social que é, deu-me elementos para lidar com os outros e com meus próprios sentimentos. Frustrava-me, transformei-me, aprendi que nem sempre o nosso melhor papel será o principal, que é importante dar luz aos outros, ser luz para os outros, apoiar e assim, dentro de nós acende-se uma luz.
Aprendi que para qualquer coisa que formos fazer na vida, precisamos do outro, é na relação com o outro, com o mundo que as coisas acontecem, até mesmo dentro de nós. Aprendi a gostar de divertir as pessoas e levar alegria. Aprendi a trabalhar em equipa e perceber a importância de cada um, independentemente das afinidades… e tenho a certeza que aprendi tudo isso porque a minha professora foi ela, Tanise.
Em sua condução, o olhar estava para a arte, para a construção coletiva, para a condução amorosa e alegre. E ao olhar para os alunos, ela olhava para o que cada um de nós precisava para se desenvolver, tal como eu agora com meus alunos. E foi assim com o papel de árvore que deu-me propositalmente, para que eu aprendesse a parar um pouco do meu agito corporal e mental habitual.
Com ela também aprendi que eu não precisava me mostrar para ser vista, e que servir aos outros era melhor do que ao próprio ego. E nesse ambiente que aquelas pequenas pessoas iam se experimentando, num mundo de fantasia e de comprometimento de alma. Era bom, era alegre e daquele tempo só guardo boas recordações.
Obrigada à minha amiga e mestra Tanise, por ter chegado naquela escola e ter tocado a vida de tantas pessoas através da arte!”
Alice Monteiro – 40 anos
Licenciada em Ciências Biológicas e Pedagogia
Mestre em Educação Ambiental
Mestre em Educação Matemática e Tecnológica
Professora de Classe Waldorf
Santa Catarina / Brasil
Abraços Demorados
Tanise, a Diva.
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