Sugiro ler o artigo anterior a este para melhor compreensão.
Dani disse que estava o tempo todo pronto para que a turma o decepcionasse. Que estava pronto para “bater com a cara no chão”. Pedi que explicasse o que queria dizer com isso. Por que deveríamos deixá-lo cair? Por que esperava por isto? Se achava que merecia isso. E Dani respondeu: eu mereço sim, eu sei disso! E aquele silêncio interminável seguiu-se.
A turma me olhava, a espera da minha resposta. Eu a pensar. Por que é nessas horas que temos de escolher as palavras mais assertivas possíveis. Mas o tempo estava a esgotar-se e o silêncio a pressionar-me ingenuamente.
Aproximei-me de Dani e questionei: por que você merece isso? Com os olhos marejados, o adolescente olhou-me nos olhos e disse: não sei, só sei que mereço. Já que ele não sabia, sugeri que perguntássemos para a turma se alguém poderia ajudar na resposta. De cabeça baixa, acenou que sim com a cabeça.
Naquele momento dei liberdade a quem quisesse falar, voluntariamente. Em segundos, alguns braços levantaram-se pedindo a palavra.
- “Nunca me fizeste nada, pelo contrário, ficavas sempre na tua, nunca te deixaria cair de cara no chão.”
- “Não nos falamos direito e acho que tu é que terias o direito de deixar alguém aqui cair no chão, por que as vezes gozamos contigo, de graça, mas não é intencionalmente, sem querer e quero dizer que não vou mais fazer isso.”
Cada um procurou a sua maneira de dizer o quão infundado era ele pensar assim.
Dani disse a seguir que se sentia um “lixo”, que a timidez era algo muito mau. Argumentei que a timidez era apenas uma parte dele, não o representava como um todo. Que não fazia mal ser tímido, reservado. Mas que estava na altura de ele encarar isso, já que era tão mal para ele e já estava a atrapalhar a sua vida.
Quem sabe se desafiar mais? Quem sabe aceitar participar de momentos de integração, o que à primeira vista vai parecer difícil, mas é o primeiro passo de um caminho que será melhor à medida que a caminhada segue. Uma colega, emocionada, salientou que se ele caísse no chão…seria horrível e que ela ficaria devastada. Todos concordaram.
Repeti a pergunta inicial: Achas ainda que merece isso, Dani? Ele disse: “Não me parece, pois não?” Os aplausos surgiram depois dessa resposta. Embaraçado, Dani foi abraçado por alguns e voltou ao seu lugar no círculo.
VOLTOU PARA O SEU LUGAR NO CÍRCULO! Sim, não saiu e sentou longe. Ficou para ajudar a segurar os outros e isso diz-me muito. Foi o primeiro passo numa transformação. Não fazia ideia de como aquele aluno se sentia, pelo menos não a esta profundidade.
No final da atividade de confiança, ninguém caiu. A turma segurou! Sugeri brincarmos de improvisação com uma cena onde alguém cai lentamente e com ruídos, sons. E fizeram. Adivinha quem quis ir no meio? Sim, Dani estava lá, a sorrir. Improvisaram a cena com ele a cair muito lentamente, os colegas a segurarem até o chão e quando tocou o chão, todos caíram juntos por cima e pelos lados.
Os risos duraram uma eternidade.
Não me lembro de ver Dani a sorrir tanto e a receber tanta atenção. Ele foi finalmente inserido. Enfim aceitou inserir-se. Porque é sempre uma escolha. Ele e os outros optaram por sair do lugar que ocupavam anteriormente na relação e a aprendizagem aconteceu em todo o lado, incluindo a mim.
Hoje Dani é psiquiatra formado e atuante na profissão. Falamos na semana passada e ele lembrou-me dessa história. Rimos juntos e ficamos emocionados também. Ele ainda é tímido, mas seguro e confiante… porque uma coisa não está ligada a outra. Foi nas aulas de teatro que isso mudou? Não, aquele dia foi apenas um pequeno passo… o restante aconteceu na vida…na travessia que fizemos todos dias. Mas permanece esta bela memória, daquele momento que ele nunca esqueceu.
Viva a arte que nos inspira! Viva a vida que nos ensina! Um viva para aqueles que se desafiam diariamente na busca de uma vida melhor…mais leve… porque ninguém merece dar de cara no chão.
Abraços demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻