Segunda e última parte!
Pra começar, sugiro que leias a primeira parte dessa história antes de iniciar essa.
Onde conseguimos chegar? Lembras-te que estávamos a ensaiar “Romeu e Julieta” com os alunos Surdos? Lembra do Hip Hop? Bom, são duas coisas diferentes, mas que se completam.
Primeiro quero deixar claro por que me referi aos meus alunos como SURDOS e não deficientes auditivos e nem surdos-mudos. Deficiencia auditiva é quando há perda auditiva de leve a moderada, que não ouve bem, mas ainda ouve algo. Surdo-mudo é um termo MUITO ERRADO, uma vez que surdez não tem nada a ver com a voz. É muito raro um surdo que também é mudo. Surdo é a pessoa com profunda surdez. E o Surdo com “S” maiúsculo na Comunidade Surda é aquele que é usuário de LIBRAS, no Brasil, aqui em Portugal é a LGP: Língua Gestual Portuguesa.
São diferentes em cada país? Sim, os sinais são próprios de cada país. E, como toda a língua, deve ser estudada e aprofundada. Importante saber: não são apenas gestos (sinais), é uma mistura de mãos e articulações, expressões faciais e corporais. Há também o surdo oralizado: geralmente pode fazer leitura labial, geralmente perdeu a audição ao longo da vida e teve acompanhamento com profissionais da fala. E, volto a salientar, esta é a minha experiência e o que aprendi nesta caminhada. E continuo a aprender. Por que não falam se tem voz? Coloca-se no lugar: você nunca ouviu, não conhece o som das palavras, nem o volume da voz, ou seja, é muito, mas muito difícil.
Todos os anos havia uma Mostra de Teatro das escolas e decidimos participar.
Acontecia no maior palco, que apesar de ser em uma cidade pequena, tinha um grande e bem estruturado teatro. Isso é uma benção em qualquer cidade! Pensa num grupo que só tinha ensaios numa sala de aula! Apesar de ser uma rotina para mim, ensaiar numa sala de aula e depois atuar em um palco, para eles tudo era novidade. Eu queria que curtissem cada momento. Chegar antes ao teatro, conhecer o espaço, fazer a marcação das cenas (é quando vemos exatamente onde vai atuar no palco, onde vai parar, onde há um foco de luz, onde entrar e sair, essas coisas). Passamos meses a escolher os figurinos. Fantasias emprestadas de outras escolas. Roupas usadas e customizadas. Tudo foi montado por doações e muito trabalho dos alunos.
A magia de passar a história sem oralidade…
Com muito sentimento, expressões faciais e gestuais e interpretação, não é uma novidade no teatro. Muitos espetáculos são assim. A novidade era expor aqueles alunos especiais. Faze-los encarar o olhar da plateia com a cabeça erguida. Criar autoconfiança na realização de algo novo. Unir ainda mais o grupo e fazer a plateia perceber que, apesar de todas as nossas diferenças, somos todos iguais e com capacidades iguais, só os caminhos é que diferem. As pessoas constroem muros entre as diferenças e quebrar esses muros significava levá-los a participar de qualquer evento. Isso chama-se inclusão! E o evento adapta-se para receber qualquer pessoa e vice versa.
A apresentação aconteceu. Plateia em silêncio total. Os olhares eram lindos. Até crianças inquietas seguiam os alunos surdos com olhar atento. E os aplausos, com as mãos a estender-se alto, sem som, adequado a eles, foram longos. Aquele abraço coletivo e demorado foi inesquecível. Tinham sido bem sucedidos e ainda receberam mérito de destaque na Mostra. Já não eram os mesmos alunos que encontrei na sala de aula. Estavam mais empoderados, já faziam outros planos para a vida, já visualizavam outras e diferentes possibilidades.
Aproveitei e encorajei-os a montar a coreografia de Hip Hop. Estavam envergonhados, mas determinados. Escolhi uma música bem alegre e escolhemos os movimentos em sintonia com ela. Ganhamos t-shirts e bonés personalizados. Houveram muitas apresentações dessa coreografia em diversos eventos. E o momento mais esperado era quando a plateia era comunicada de que, a qualquer momento, eu iria diminuir totalmente a música, para que ficasse claro que eles não estavam a ouvir, mas que sentiam a música dentro deles. E depois voltou a aumentar e a apresentação seguia normalmente. O ritmo era incrível!
No final das apresentações as pessoas queriam conhecê-los, tirar fotografias. A cidade ficou pequena para eles. Foi transformador para aqueles que assistiram e, especialmente, para os alunos e para mim. Recebemos troféus e prêmios que é dispensável enumerar, por que nada se compara ao valor daquilo que vivemos. O caminho é sempre mais importante do que o resultado!
Abraços demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻
Muito lindo esse relato. Que coragem!!! Sair da zona de conforto para fazer este trabalho transformador merece todo o reconhecimento. Parabéns!!!
Mesmo, concordamos contigo! A Diva Tanise está Bué empenhada!! 😀