Era início do ano letivo. Alunos motivados e saudosos. Professores cheios de ideias e sorridentes. Dentro das turmas os grupos já estavam selados, a maioria já se conhecia naquele nono ano e isso assustou demais os dois alunos novos que entraram na sala de cabeça baixa e silenciosos.
Entreguei um papel pequenino e pedi que cada um colocasse ali a sua música predileta no momento, em segredo, individualmente. Foram apenas cinco minutos para que todos me devolvessem os papeis. Misturei tudo e coloquei me a buscar no computador (ligado às colunas da sala) cada música. Combinei que escutaríamos a ouvir por alguns segundos cada uma e depois eles poderiam tentar acertar de qual colega era. Pensa na gritaria (balburdia)! Cada música era uma festa e cada identificação uma comemoração por que vários tinham gostos musicais similares e as surpresas iniciavam muitos diálogos. Geralmente nessa idade os estilos são próximos e também estão mais abertos a novidades. E foi assim com os novatos, que rapidamente foram incluídos no grupo. “Eu também adoro essa música” e segue o papo.
Após as descobertas, grupos com escolhas musicais parecidas se juntaram e tiveram que criar uma situação sobre as férias que combinasse com a tal sonoplastia. Ao fim da aula, era um só grupo a sair da sala de teatro, animados, unidos pela arte e diferentes de como entraram.
O teatro existe desde os primórdios da existência humana. Humanos se comunicavam gestualmente, contavam histórias e passavam tradições através de encenações.
A criação de personagens sempre foi sedutoramente instigante.
A magia da possibilidade de ser outra pessoa, outro ser, outra coisa além de nós mesmos: é o grande BUM! Viver outra vida, outros amores, outras aventuras que jamais serão, na prática, vividas por nós é o grande chamado que encanta o artista. Mas, na verdade, não vivemos todos uma série de personagens e aventuras/histórias no nosso dia a dia?
No momento em que colocamos o pé fora de casa já não somos a mesma pessoa. Ao cumprimentar nosso vizinho, trabalho, como filhos, sendo pais, irmãos ou como amigos: somos outra pessoa. E são todos personagens necessários para o viver. “Não pense que é falsidade, cada uma é necessária e importante no seu contexto. Se fossemos a mesma pessoa em todos os lugares, certamente existiriam muitos conflitos, em todas as esferas: emocionais, psicossociais, de convivência. São as tais máscaras, que todos usamos e abusamos e são tão necessárias.
Acredite: a vida é um teatro! E quando você senta na plateia de um espetáculo, você sai outra pessoa. Por que a arte é terapêutica e nos transforma de dentro pra fora. Mexe com questões internas que nem percebemos e talvez com o tempo vão se aclarando na nossa mente, ou talvez não, o tempo de cada um é único e pessoal. O essencial é que nos toca, de alguma forma. A arte nos toca sempre. Nossos sentidos são estimulados, todos eles. Sempre há um personagem com o qual nos identificamos ou que nos remete a alguém que conhecemos. Sempre uma ideia subentendida que só a gente entende.
Vivi mais da metade da minha vida com o teatro. Tive alunos de todas as idades e histórias lindas e tristes que percorreram esse caminho comigo. Como professora de teatro, usei como meu melhor instrumento a arteterapia: o teatro como instrumento terapêutico. E a partir daí testemunhei mudanças, criações de personagens e “curas” emocionais muito intensas e marcantes, e que, não só modificaram a vida daqueles que foram meus alunos, como a minha também.
Acredito fielmente que o teatro e a vida estão em constante conexão e fusão. Que se confundem muitas vezes. Vivemos tragedias e comedias num mesmo ato (a maior subdivisão de uma peça) e assim é a vida: essa eterna impermanência. Que nossas máscaras, tão necessárias, nos salvam, nos protegem, nos motivam, mas também nos prejudicam, nos limitam e nos impedem de ir adiante. É uma eterna luta de dualidades. Nem tudo é tão bom e nem tudo é tão ruim, assim como as pessoas.
Compreender que arte pode aliviar, apaziguar, acalmar, alegrar, fazer refletir, exorcizar nossas emoções: é libertador. Portanto, vá ao teatro, escute uma boa música, assista um filme, acompanhe uma série, pare, observe e aprecie um artista de rua, desenhe, costure, pinte e borde: tudo isso é terapêutico! E pode penetrar, como água no banho, todas as entranhas do nosso ser sem nem percebermos, mas sentir o quanto isso nos faz bem. E, acredito, sentir-se bem é a grande busca, não é?! Viva cada um dos seus personagens com intensidade: seja um filho(a) presente, um marido/esposa presente, um amigo(a) presente: esteja presente, esse é o segredo. Afinal, você decide se quer ou não aplausos quando as cortinas do seu espetáculo se fecharem.
Abraços demorados
Tanise, a Diva.
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