Na sequência dos relatos de ex alunos(as) sobre a experiência com aulas/grupo de teatro…
“Num dia avesso à estação, dei por mim inquieta, sentindo as faíscas de um sol radiante, que insistia em deixar a manhã limpa, quentinha e atípica nas manhãs nubladas de inverno. Respirei fundo, satisfeita. Afinal, dias ensolarados costumam me trazer boas lembranças.
Levantei-me, organizei os afazeres tradicionais de uma manhã de sábado e decidi me sentar-me próxima à janela da cozinha, no intuito de tentar colocar em palavras a proposta sugerida por uma das mulheres mais autênticas que já conheci: a minha professora de teatro.
Escrever sobre como o teatro ingressou em minha vida não me pareceu ser tarefa difícil, tampouco complicada. No entanto, resgatar as memórias de um tempo bem vivido, recheado de aventuras e boas lembranças, requer cuidado, sensibilidade e destreza.
Não é fácil colocar em poucas linhas o impacto que o teatro trouxe e segue trazendo em minha jornada. Dito isso, este breve relato propõe-se a apresentar, de maneira sucinta e reflexiva, as memórias carinhosas de um tempo que, em que pese não possa ser revivido, floresce e impacta as minhas escolhas presentes e futuras.
No cerne de uma adolescência insegura, cheia de medos e outros processos característicos desta fase…
… eis que surge uma atividade que não se esgota na razão, na vontade ou no consciente. Mas, pelo contrário: é uma atividade que permite revelar todos os lados de nossas identidades. Do amor ao ódio; do grito ao silêncio; do seguro ao inseguro; do afeto ao “desabraço”, no teatro encontrei um terreno fértil, capaz de trazer à luz todos os sentimentos embrulhados que em mim encontravam-se emaranhados.
Expor histórias constituídas pelos mais diversos contextos, por entre cortinas, em ensaios de quatro paredes, nos passeios ou nos pátios escolares, além de alargar a compreensão de meus próprios sentimentos, propiciava à plateia o sentir absoluto -ainda que momentâneo- sobre experiências que, talvez, na vida cotidiana, jamais seriam experimentados.
Um olhar, um grito, um movimento corpóreo, ou um simples suspiro profundo já eram suficientes para perceber os olhares atentos dos espectadores, que procuravam vivenciar a experiência como um todo, ainda que esta tivesse hora para terminar.
Na soma deste todo, identifiquei no teatro um instrumento capaz de protagonizar a diversidade da condição humana. Não só como um aspecto de sua existência, mas sim, como condição essencial para o exercício da natureza dos próprios indivíduos.
Percebi, sem querer, que o teatro era, de facto, uma arte capaz de expressar os sentimentos mais profundos que, muitas vezes, não podem ser revelados sem julgamento, mas que, ao mesmo tempo precisam ser expostos, vistos, sentidos e revisitados.
Para além das experiências de palco e das aventuras sensoriais, o teatro logrou êxito em propiciar-me algo que não se compra e que dificilmente constrói-se: Uma família. Entre a confusão nos bastidores, os risos compartilhados e a criatividade aguçada, sem querer, apercebi-me cheia de pessoas que partilharam os melhores momentos que a vida me trouxe. Os levo comigo, até hoje. Dentro do peito, dentro do coração, colados à alma. Amizades que se perpetuam no tempo.
Para bonificar ainda mais o tempo vivido, levo comigo a pessoa que me inspira a ser quem realmente sou. Quem se é. Quem se quer ser. Mulher excêntrica, capaz de permitir que todos os seus alunos se aproximassem sem amarras, sem medos ou armadilhas, com ela aprendi que o mundo pode ser um local acolhedor, pronto para receber nosso “eu” em essência, sem máscaras. À Tanise, os meus eternos agradecimentos.
Hoje, atuando como professora e advogada, coloco em meu trabalho e minhas pesquisas a importância do teatro na resistência à intolerância cultural. Compreendo o teatro como um instrumento capaz de divulgar a falta de políticas públicas e a não salvaguarda de direitos e garantias fundamentais no interior de comunidades hipossuficientes.
Para tanto, utilizo-me da experiência sensorial que o teatro conseguiu proporcionar-me, seja trazendo um pouco de alegrias àqueles que pouco a conhecem, seja atuando em peças históricas que retratam momentos de sofrimento, ou, ainda, lembrando-me do olhar sensível da criança que assistia às palhaçadas do nosso grupo em uma ala hospitalar.
É, desta forma, que o teatro me permitiu estimular buscas no que diz respeito às formas que a arte consegue expressar processos de resistência face à não salvaguarda de direitos, e de que forma podemos, a partir dela, construir um ambiente propício ao respeito, à dignidade e a inclusão social.
Este relato não tem caráter imperativo, mas, quem sabe, serve de estímulo para que você, caro leitor, abra as portas a uma nova experiência. Desta forma, termino este relato com apenas um conselho: permita-se.
Permita que o seu corpo sinta o teatro em toda a sua complexidade;
Permita que as pessoas aproximem-se; permita-se sentir os extremos de todos os sentimentos que a vida lhe oferece; permita-se sentir o calor humano frente ao palco; permita que a experiência de ator ou expectador preencha mais um espaço na sua bagagem de memórias bem vividas.
Em suma: permita que a arte utilize da própria vida como insumo produtor, revelando a potência da vida humana em pleno exercício. Vale a pena!”
Luana Marina dos Santos
28 anos
Professora e Advogada
Abraços Demorados
Tanise, a Diva.
😃🌻