Um dos maiores desafios da minha vida foi quando recebi o convite para dar aula de teatro a surdos. Apesar de não conhecer a linguagem gestual, aceitei e fui estudar. Mas imaginem a cena: entrar numa sala de aula sem dominar, nem mesmo a língua dos alunos. No entanto, a minha fé na arte e no poder do teatro, transformador e terapêutico, não me deixou recusar. Era uma escola filantrópica e isso conquistou meu coração. A escola estava dividida entre ouvintes e não-ouvintes. Eu seria a professora de teatro curricular para os não-ouvintes. Iniciei o curso de LIBRAS (Língua Brasileira dos Sinais) na mesma semana.
Era mês de abril, um dia nublado, daqueles que não se quer sair de casa. O diretor leva-me à primeira aula do dia e apresenta-me, em linguagem gestual, claro. O meu primeiro grande espanto foi o silêncio. Silêncio total e absoluto nos corredores e na sala de aula. Eu podia ouvir a minha respiração e daquelas próximas a mim. Admito que nunca fui adepta do silêncio, sempre me incomodou. Talvez por lembrar-me o vazio, a ausência. E isso era o que não havia naquele lugar.
O aprendizado começou cedo!
Os alunos olhavam para mim e os sinais e começaram. Eles conversavam sem parar, o diretor despediu-se e apresentou-me a uma aluna que fazia leitura labial e poderia ajudar-me. Foi o primeiro dia mais inesquecível da minha vida. Não consegui chamar a atenção deles. Eu não os entendia e vice versa. Eram adolescentes e sempre trabalhei com adolescentes e adoro essa fase da vida. Já era professora de teatro há mais de doze anos naquela altura. Parece que nascemos sabendo, mas a aprendizagem é diária e eterna. Uma salva para todos os profissionais da educação!
A importância que a leitura dos lábios teve naquele momento foi indescritível. Falei com a aluna que podia fazer isso e ela passou para a turma os sinais. Por isso, tenho que falar devagar, olhar para ela e em tom baixo, uma vez que não havia necessidade de voz. Muitos aprendizados num só dia!
Descobri que poderia me comunicar através da luz. Então, quando queria que olhassem para mim: ligava e apagava as luzes da sala. Consegui realizar alguns jogos de teatro que não precisavam de fala, apenas observação. Os adolescentes são todos iguais, adoram um desafio e quando rimos juntos: nasce um relacionamento. A diversão sempre foi meu carro-chefe. Se não for divertido, muda o foco, porque a aprendizagem não acontece e os jovens não assimilam nada. Podem decorar, mas será passageiro. Claro que é uma opinião pessoal, resultado da minha experiência na educação. Mas o conteúdo assimilado de forma divertida, dificilmente será esquecido.
Todo artista é um contadores de histórias. Então decidi contar histórias. Construí marionetas, misturei-as com imagens no telão e até venti fantasia. Tinham de conhecer Shakespeare, a história de amor mais famosa do teatro: Romeu e Julieta, que, na verdade, é uma grande tragédia. Mostrei cenas de filmes inspiradas nessa peça. No decorrer das aulas, muitos começaram a ajudar-me, a ensinar-me sinais. Outros aproveitavam-se da minha ignorância e ensinaram-me coisas ofensivas e divertiam-se com isso. Mas há sempre anjos à nossa volta e logo alguém veio salvar-me, a esclarecer tudo. E assim seguimos.
Assisti uma dança em grupo, a fazer movimentos de Hip Hop no pátio do colégio e isso chamou-me a atenção. Não havia música, mas adoravam, dava para ver que se divertiam. Perguntei-lhes onde tinham aprendido a dançar assim. Eles mostraram-me vídeos no Youtube, adoravam os movimentos, apesar de não terem ideia da música. Acendeu uma luz na minha mente. Mesmo que não ouvissem, sentiam as vibrações com os seus corpos. Então trouxe uma caixa de som enorme, do tamanho de uma máquina de lavar roupas para a sala de aula. Avisei mais cedo à coordenação do meu experimento e que o barulho seria ótimo por alguns momentos, mas justifiquei-o e recebi autorização para isso. Os alunos olhavam para caixa intrigados. Coloquei em alto e bom som uma música clássica de Hip Hop e pedi que um de cada vez colocasse as mãos na caixa. E quando as mãos tocaram na caixa, todo o corpo sentiu e o balanço começou. Uma das cenas mais bonitas que já vi na minha vida. A consciência da vibração! Senti que um portal se abriu: a música invade espaços que vão muito além da audição.
A arte nunca discrimina.
Ainda assim, trabalhar com eles no teatro e na música foi um grande desafio. Podia dizer que era difícil, mas estaria a mentir. O desafio foi dividido ao meio e eles abraçaram junto. Foi o início de uma caminhada incrível e não fazes ideia do que conseguimos fazer…
Continua em breve.
Abraços demorados
Tanise, a Diva.
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