Acredito, fielmente, no poder transformador da arte sobre as pessoas. Acredito, de todo o meu coração, que o teatro é um instrumento terapêutico muito eficaz e com resultados rápidos e claros.
A arteterapia é uma prática terapêutica que utiliza a arte e os seus recursos imagéticos, como intermediários entre os processos cognitivos e afetivos do sujeito, visando a integração entre consciente e inconsciente na reestruturação de comportamentos e ações.
É um processo dinâmico, espontâneo e criativo que favorece a expressão simbólica dos sentimentos e das emoções através do fazer artístico, induzindo ao autoconhecimento. Tal processo possibilita à pessoa desenvolver a capacidade de observar e refletir sobre os diversos momentos da vida, permitindo-lhe assim descobrir e desenvolver a sua identidade.
Ao longo dos anos, percebi que as pessoas aprendem a ordenar o seu mundo interior e exterior, dando forma e estrutura aos seus sentimentos e emoções através do teatro. As artes cênicas são uma porta sempre aberta para o simbolismo. Tudo é simbólico! O personagem que se escolhe representar, o figurino, a movimentação em cena, a altura de voz, a maquiagem que se cria, as improvisações tão espontâneas e tão reveladoras.
É possível fazer uma leitura clara e rápida: perceber o estado de espírito da pessoa, a tristeza, a alegria, o pedido de socorro! Atividades simples podem ser reveladoras. Isso é arteterapia! O que mais importa é o processo e não o resultado.
Se o teatro é terapêutico? Se o teatro contribui para uma vida melhor?
Para responder estas perguntas, esse mês vou postar relatos de alunos e alunas que passaram por mim ao longo dos meus quase 30 anos como professora de teatro e arte terapeuta. São histórias verdadeiras, de pessoas que realmente existem. Depoimentos recheados de emoção e muito amor pela arte. Se você gosta de uma boa história…setembro é o mês para se deliciar com estas, vamos a isto:
A história de uma médica dentista
“Como é que uma rapariga tímida foi parar no teatro? Bem, então, ainda não sei… A única coisa que eu sei é que o teatro mudou a minha vida e em especial, o projeto voluntário no hospital. Pintura no rosto, roupas coloridas, chiquinhas nos cabelos, adereços e a bata branca com botões coloridos, claro! Mal sabia eu que essa bata, teria tanto impacto na minha vida profissional.
Para melhor compreender o início do relato, sugiro ler o artigo sobre o voluntariado no hospital, uma vez que faz parte desta transformação.
Eu estava no secundário, uma adolescente que estava a ficar forte com cada leito que visitávamos… O amor fortalece, tenho a certeza disso! Em cada porta e em cada quarto o “posso entrar?” significava para além daquele momento, era um pouco de mim que se mesclava a vida do paciente e vice-versa. Nestas circunstâncias, aprendi muito sobre amor, afeto e respeito num momento tão delicado na vida um do outro. Gratidão aos pacientes e suas famílias!
Os anos passaram, mudei de cidade, a vida afastou-me do projeto de teatro. Mas mal sabia eu, que ele não afastaria-se de mim. Andei na faculdade de medicina dentária, sonhando ser dentista pediátrica . A vida então voltou a surpreender-me, entrei na investigação científica e um dos primeiros projetos que tive a honra de participar era no hospital, na ala da oncologia pediátrica. Então pensei: “Vai lá, respira! Não vai ser fácil, mas o amor é mais forte do que tudo, não é mesmo? Não se esqueça disso!” Lições que o teatro me deu.
Certamente aquela bata branca com botões coloridos deu-me forças para usar a versão branca tradicional.
As crianças que combatem o cancro muitas vezes passam dias ou semanas no hospital, e o vínculo acontece (e precisa de acontecer). Em um quarto quase sempre havia três crianças, três mães, três famílias, três corações. Varias vezes, a resposta do “posso entrar?”, não era tão encorajadora, o que infelizmente faz parte da luta contra uma doença como esta.
Um dia que me marcou, foi quando entramos em um quarto e logo sentimos que o clima estava diferente dos dias que antecederam a este… Crianças reunidas, rindo, jogando cartas. Que boa energia. De repente um “psiu!” e uma mãozinha fez-me chegar cartas para jogar. Lembra do vínculo? É isso, é o amor!
Estávamos lá para prestar assistência aos pacientes, mas na minha opinião a assistência deve ir além da boca, deve estender-se a todo o corpo, inclusive ao coração. Tínhamos mais pacientes para ver naquele dia, e o tempo? O tempo passa depressa, se fizermos além ou aquém, então prefiro dedicar-me ao máximo “a fazer o bem” nas diferentes formas.
Acredito que isso aprendi com a vida, e tudo começou no teatro, superando a timidez e levando amor e sorrisos aos pacientes hospitalizados. O teatro deu-me coragem e atitude, fez-me entender que o caminho é mais importante que a chegada.
Com o tempo, acabei por me afastar desse projeto também, mas tenho um sonho profissional: voltar ao hospital! Não somente para prestar assistência dentária, mas também ao coração. Gratidão ao teatro e a minha diva, “sora” Tanise (professora Tanise), por ter contribuido grandemente com a profissional humana que me considero hoje.”
Tuany Schmidt
31 anos
Médica Dentista
Pós graduada em Saúde Pública
Doutoranda em Estomatologia na UFRGS/ Brasil
Abraços Demorados
Tanise, a Diva.
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